sábado, 26 de novembro de 2011

O Estado Novo em Portugal

  A primeira metade do século XX ficou marcada pela ascensão de regimes ditatoriais em alguns países da Europa. A destruição e a morte provocadas pela 1ª Guerra Mundial encaminharam a Europa para uma conjuntura negra nos anos que se seguiram a 1918, o fim da Grande Guerra. As populações encontram-se insatisfeitas e procuram por soluções para a sua situação. Deparam, por um lado com o comunismo emitido a partir da Rússia e a sua Internacional Comunista é apoiado pelas camadas mais baixas, por outro com os partidos de extrema-direita que surgem como outra solução e, aos olhos das camadas médias, altas e conservadoras que temem o bolchevismo, é a melhor opção a apoiar.
Assim, logo em 1922, a marcha sobre Roma encabeçada por Mussolini marca o início da ascensão das ditaduras na Europa ocidental figura 1). Tal como país europeu que Portugal é, nunca pôde escapar à conjuntura vivida em todo o continente. A 1ª República mostra-se ineficaz e numa “arrancada nacional” para sair do pântano que era a crise política, social, financeira e económica da República, o Marechal Gomes da Costa e o Almirante Mendes Cabeçadas lideram as suas forças revolucionárias a instaurarem uma ditadura militar a 28 de Maio de 1926 (figura 2).
 
Figura 1 – a marcha sobre Roma liderada por Mussolini.

 Figura 2 - a "marcha sobre Lisboa" encabeçada por Gomes da Costa.

  O défice financeiro assolava as contas públicas e logo no mesmo ano chamam um António de Oliveira Salazar, Professor Doutor na Lente de Ciência Económica em Coimbra, a ministro das finanças que em poucos dias se demite. Contudo este ministro é novamente convocado à administração da pasta das finanças em 1928. Agora com grandes poderes de controlo financeiro sobre os restantes ministérios. Começa logo por estabilizar as contas públicas e um superavit instaura-se nas finanças estatais. Em 1932, o prestigioso e ‘super-ministro’ Salazar é nomeado Presidente do Conselho de Ministros pelo Presidente da República Óscar Carmona (figura 3). É neste cargo que, após a aprovação da Constituição de 1933 por referendo, Salazar instaura o mais longo e estável regime ditatorial português de sempre – o Estado Novo.
 
Figura 3 - Salazar, o “escudeiro-mor”. Caricatura alusiva à atuação de Salazar enquanto ministro das Finanças.

  A Constituição de 1933 delimitou logo os poderes estatais: o poder executivo mostrava-se o primeiro poder da nação e haviam eleições para o cargo de Presidente da República (sempre ganhas por Óscar Carmona) assim como para a Assembleia Nacional (que era ocupada por um único partido político – a União Nacional da qual Salazar era o líder), enquanto que o Presidente de Conselho era nomeado pelo Presidente da República e apenas prestava contas a este que na relação Salazar-Carmona se verificava muito amigável e coerente. A assembleia remetia-se apenas para discutir propostas do governo. Este regime presidencialista bicéfalo acaba por liderar o país sem conceder qualquer soberania ao povo. Considera que se encontra a representar os interesses de todos os portugueses por isso não é necessário dar quaisquer satisfações à população, pois quem as requer é porque está insatisfeito e logo é inimigo do Estado, da nação. É portanto visível o antiliberalismo e o unipartidarismo do Estado Novo (figura 4).
É de referir o caráter anticomunista do regime. Daí os que apoiavam o comunismo serem considerados inimigos da nação. Assim, Salazar apoia Francisco Franco na guerra civil espanhola já que se os republicanos a ganhassem o comunismo estaria às portas de Portugal. Tudo foi feito pelo regime para evitar a “ameaça vermelha” de chegar ao poder.

Figura 4 –...E, volvidos oito séculos, a protecção de Deus continua a pairar sobre Portugal, dando aos Portugueses Carmona e Salazar. Tudo por Portugal! Nada Contra Portugal!” E os dois presidentes representados nas duas fotografias.

  Como base da sua ideologia, o Estado Novo teve o princípio “Deus, Pátria e Família”. Aproxima-se da Igreja, ao contrário da 1ª República; defende de todas as maneiras a nação, a sua história e o seu património, assim como os valores tradicionais de família portuguesa. Era, então, conservador. (figura 5)
 
Figura 5 - "Lição de Salazar" demonstrando o princípio do regime: "Deus, Pátria e Família".

  A manutenção do património português (nacionalismo), à semelhança do que se verificava na Itália, levou Salazar a enveredar por um nacionalismo económico. A política de nacionalismo económico chamada de autarcia foi iniciada logo em 1928 quando se estabilizaram as contas públicas por meio de grande austeridade financeira. Conteve-se a despesa e aumentou-se a receita - em muito através do acréscimo de impostos – e assim se reduziu a dívida pública de cerca de 45% para 5% (figuras 6 e 7).

Figuras 6 e 7 – estado das finanças desde 1925 a 1931 com o superavit a sobrepor-se ao deficit a partir de 1929 e o orçamento de Estado de 1928-1929 com um saldo positivo de 275 milhares de contos.

Lançavam-se as bases para a libertação de Portugal da dependência externa. Uma política de obras públicas, tal como no Fontismo, foi reiniciada e levada a cabo pelo ministro da pasta Duarte Pacheco (figuras 8 e 9). Constroem-se estradas, pontes, caminhos de ferro, o aeroporto internacional de Lisboa e portos para, não só aproveitar a maior produção, especialmente agrícola, que vinha a ser fomentada desde 1929 (por exemplo com a campanha do Trigo) e absorver o desemprego causado pela crise internacional de 1929, mas também para ligar o país ao exterior e sobretudo às suas colónias além mar. É de referir que a ligação ao estrangeiro era com o propósito de aumentar as exportações e não as importações já que o objetivo era produzir, consumir e vender o excedente nacional.
 
Figura 8 – Estrada da Marginal, em Lisboa (1930's)
 
Figura 9 - inauguração da ponte Santa Clara em Coimbra (1952).

Esta ligação às colónias por via das obras públicas tinha como objetivo aproveitar as fontes de matéria prima, de mão de obra e o possível mercado de escoamento que estas representavam. Esta vertente colonialista do Estado Novo ficou evidenciada no Ato Colonial de 1930 que, entre outras coisas, definiu os objetivos e demonstrou até o orgulho que o Estado tinha nas suas colónias e se fez acompanhar do lema: “Portugal não é um país pequeno!” (figura 10)
 
Figura 10 – cartaz de propaganda ao vasto Portugal: “Portugal não é um país pequeno!”

O Estado Novo de Salazar também se caracterizou por ser corporativista. Permitia-lhe gerir as reivindicações de ambos patronato e trabalhadores sem haver levantamentos populares como greves e manifestações de indignação, que, de resto, eram ilegais. Ilegalizando os sindicatos, formou os sindicatos nacionais, geridos pelo Estado. Estes em conjunto com os grémios e órgãos de associação populares mais pequenos como as casas do povo e as casas dos pescadores formavam as corporações. Todas as corporações nacionais culminavam na câmara corporativa que exercia funções consultivas perante o Estado. (figura 11 e 12)
 
Figura 11 – Uma casa do povo da altura do Estado Novo atualmente. 
 
Figura 12 - Cartaz de propaganda sobre as corporações: “Só o bom entendimento entre operários e patrões conduz ao equilíbrio social.”

  Este intervencionismo e cumprimento dos objetivos do Estado de Salazar era conseguido através do autoritarismo que se fazia valer da repressão. A Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) mais tarde Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE) em conjunto com a Censura constituíam a primeira linha de “safanões a tempo” contras as ameaças ao regime.
Pensamento de Salazar colocado na primeira pessoa pela ficção de Fernando Correia da Silva:
“Se abandonados à liberdade, os homens logo se convertem em libertinos. Reforço a proibição das greves e em 1933 fundo a PVDE - Polícia de Vigilância e Defesa do Estado. Agentes italianos e depois uns alemães, com as suas técnicas, virão ajudar-nos a torná-la mais eficaz. Rapidamente a PVDE estende uma rede de informadores de norte a sul da Nação, nas cidades, nas vilas e até em aldeias. É fácil, muita gente ambiciona ganhar mais uns tostões. 
A função primeira da PVDE é prevenir as tentações de libertinagem, é intimidar não só os ímpios e os incautos à beira da impiedade, mas também os respectivos pais, e cônjuge, e filhos, e irmãos, e colegas, e amigos, todos os que estejam em perigo de contágio. Subversão é peste, há que meter a Nação em quarentena. E meto, mas alguns escapam, danados que tentam danar os outros, cães raivosos. 
Reorganizo as forças militarizadas, a GNR - Guarda Nacional Republicana, a PSP - Polícia de Segurança Pública, e a Guarda Fiscal. E chamo ao meu gabinete, primeiro o Agostinho Lourenço, director da PVDE; mais tarde o Silva Pais, director da PIDE. Alerto: 
- Mais vale um safanão a tempo do que deixar o Diabo à solta no meio do povo.”

À semelhança do que se passava na Itália e na Alemanha, para além de reorganizar o exército, a GNR e a PSP, e até a guarda fiscal como se viu na passagem anterior, Salazar recorria à PVDE que perseguia opositores políticos, especialmente comunistas, através de agentes fardados, infiltrados e de populares que se apontavam voluntariamente como informadores para a polícia política a troco de “uns tostões”. Assim que surgia uma denúncia ou suspeita, os alvos eram encarcerados em múltiplos estabelecimentos prisionais (figura 13 e 14). De modo a obter confissões – verdadeiras ou forçadas - os agentes da PVDE recorriam à “gota de água”, às torturas do sono e da fome, do espancamento entre outros métodos de interrogatório.

Figura 13 – Da esquerda para a direita, de cima para baixo: Prisão do Aljube, Lisboa; Prisão de Caxias; Prisão de Peniche; Prisão da PIDE no Porto.
 
Figura 14 - Foto aérea do campo de concentração do Tarrafal em Cabo Verde.

O Estado dispunha ainda da Censura. Uma censura prévia continha ideários, mensagens, notícias imagens e críticas nefastas para o regime de saírem das impressoras e bocas de atores e gentes influentes (figura 15).O "lápis azul” gozava ainda da autoridade de analisar livros assim que se dava o seu lançamento e de emitir mandatos de busca às livrarias se fosse o caso. Esta censura prévia fazia-se seguir de uma fiscalização regular da emissão de todos os jornais, revistas, emissões radiofónicas e peças teatro que normalmente eram feitas por agentes da PVDE.

Figura 15 - rúbrica sobre a "liberdade de imprensa" totalmente cortada pela censura.

  Num modo muito prévio de controlo de ameaças ao regime, o Estado Novo definiu regras e métodos para o ensino, criou órgãos de arregimentação da população, e fez-se difundir através da propaganda.
O controlo da população iniciava-se logo da escola primária à secundária. Os manuais disciplinares eram únicos e editados pelo Estado. Também se definiram regras e métodos de ensino para que a tarefa de ser Professor estivesse a ser desempenhada de acordo com as intenções do regime. Esta tarefa de contenção do intelectualismo popular não se mostrou muito difícil já que a taxa de analfabetismo nacional rondava os 70% e o esforço do Estado pela escolarização foi básico – para além de construir escolas primárias e liceus, apenas contemplava o ensino primário como obrigatório. Assim os jovens assistiam a aulas que seguiam os ideários do regime, afastando-se a possibilidade de estes virem a ser um perigo para o Estado Novo. (figura 16)
 
Figura 16 – sala de aula do ensino masculino primário durante o Estado Novo em que se podem ver as “Lições de Salazar” afixadas nas paredes da sala.

A Mocidade Portuguesa incluía, de forma mandatória, todos os jovens dos 7 aos 14 anos (em dois escalões etários: os Lusitos e os Infantes) com participação facultativa nos seus 2 últimos escalões entre os 14 e os 25 (Vanguardistas e Cadetes)assim como na Legião Portuguesa a partir dos 18 anos. Eram organizações que se destacavam por demonstrar o seu caráter militarista através da sua fidelidade ao Chefe Salazar e por defender a nação do comunismo (por exemplo através da ajuda às forças policiais na manutenção da paz social) (figura 17).
 
Figura 17 – desfile da Legião Portuguesa no Rossio muito provavelmente gritando: "Portugueses, quem vive? Portugal, Portugal, Portugal! Portugueses, quem manda? Salazar, Salazar, Salazar!"

A fidelidade ao Chefe Salazar - também um fundador da nação porque fundara o Estado Novo e por isso era chamado "Salvador da Pátria" e igualado a D. Afonso Henriques (figura 18) - era, de facto, muito semelhante à fascista italiana ou alemã. 
 
Figura 18 – À semelhança de D. Afonso Henriques, Salazar como é representado o “Salvador da Pátria” segurando um escudo dizendo: "Tudo pela Nação. Nada contra a Nação”.

Contudo o culto do chefe português divergia do europeu no próprio chefe: Mussolini apresenta-se posando e representando uma figura heróica em planos elevados aos demais, fazendo a saudação fascista. Enquanto que Salazar, das poucas vezes que aparece publicamente, aparece como um homem sóbreo, sem ostentações e falando de uma simples janela ou varanda. A simplicidade da imagem política do Presidente do Conselho era reflexo sua própria vida privada. Salazar nunca escondeu ser “pobre, filho de pobres”. (figura 19)
 
Figura 19 – António de Oliveira Salazar, um homem sóbrio, comedido e discreto.

O Estado Novo também se fez difundir entre a população portuguesa através da propaganda. António Ferro (escritor, jornalista e político) sugere logo a Salazar em 1932 que crie um órgão que compense a “ausência duma inteligente e premeditada política do espírito dirigida às gerações novas, que as traga à superfície, que lhes dê um papel nesta hora de insofismável renovação…” – Entrevista de António Ferro a Salazar, finais de 1932. Salazar cria no ano seguinte, 1933, o Secretariado de Propaganda Nacional (SPN) e atribui a direção a António Ferro, que inicia a difusão dos ideários e dos feitos do regime por exemplo através da promoção de festas, romarias populares, da Exposição do Mundo Português em 1940 e das “Lições de Salazar” (figura 20 e 21). Esta valorização da cultura portuguesa destinava-se, não só a mais uma vez cultivar o nacionalismo e manter a tradição portuguesa, mas também a ocupar os tempos livres da população para que não se “entretivesse” a concluir ideias nocivas para o regime. Assim, tal como afirmou Salazar ("Politicamente só existe o que se sabe que existe, politicamente o que parece é.") a política de cultura do Estado Novo que ficou conhecida como “política do espírito” pretendia ser simples, de modo a distrair o povo e não o fazer pensar, ver aquilo que, segundo o Estado Novo, não era a sua competência.


Figura 20 – uma das sete “Lições de Salazar”. Esta foca as obras públicas do Estado Novo ("Do abandono dos serviços públicos, e das ruínas, sinais de desordem e de miséria; o Estado Novo, ao mesmo tempo que edifica, faz renascer o património histórico e artístico da Nação"

Figura 21 - Guia de visita à Exposição do Mundo Português. 


  Em jeito de conclusão, o Estado Novo foi um regime político do seu tempo. Um regime político ditatorial liderado por António de Oliveira Salazar que se identificou especialmente com o regime fascista italiano de Mussolini. Tinha um caráter antiliberal, anticomunista, unipartidário, nacionalista e coletivista que só através da repressão e do controlo social fazia exercer o seu autoritarismo. Contudo, tal como o especial culto do chefe praticado em Portugal, o Estado Novo foi uma ditadura que serviu ao país em que se instaurou. “Portugal teve uma ditadura à sua medida.”

Fontes:

Bibliografia:
Manual de História A de 12º ano “O Tempo da História” (2ª Parte) de Célia do Couto, Maria Rosas com revisão científica de Elvira Mea – Porto Editora.

Webgrafia:
http://www.pcp.pt/joomla/index.php?option=com_content&task=view&id=6685&Itemid=245
http://www.infopedia.pt/$mocidade-portuguesa
http://www.infopedia.pt/$corporativismo
http://www.infopedia.pt/$legiao-portuguesa-%281936%29
http://www.vidaslusofonas.pt/salazar.htm
http://www.citador.pt/frases/citacoes/a/antonio-de-oliveira-salazar/20
http://conferencias.ulusofona.pt/index.php/sopcom_iberico/sopcom_iberico09/paper/viewFile/266/238
http://www.educare.pt/educare/Atualidade.Noticia.aspx?contentid=6793EFD47E4A1ABAE0400A0AB800227A&opsel=1&channelid=0
http://www.citi.pt/cultura/politica/25_de_abril/cultura.html

Outras fontes: Apontamentos das aulas.
Trabalho realizado por: Davide Santos Nº13 12ºJ

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